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quarta-feira, 20 de junho de 2012

Capela do Rosário

No testamento que o Alfares Manoel de Castro fez e com o qual faleceu na Vila da Campanha da Princeza em 20 de novembro de 1823 e cuja cópia se acha transcrita no 1° livro de óbitos da Catedral de Pouso Alegre, consta entre as suas disposições de ultima vontade para ser cumprida pelos seus testamenteiros: José Francisco Pereira, José Pereira Ramos e João Ribeiro da Silva, todos residentes no arraial do Mandu, a seguinte declaração- “manda conduzir toda madeira necessária para a Igreja do Rosário da Freguezia de Pouso Alegre, onde residia”.
Pelo disposto desse legado, em falta de outros informes que prove a sua construção anos anteriores, verifica-se que a primitiva Capela do Rosário estava sendo construída naquele ano no então arraial de Pouso Alegre, e graças a tão generosa dádiva poude dar andamento ao início de suas obras.
Além dessa dádiva outras mais se sucederam, e a sua construção foi muito demorada, visto depender sempre de inúmeros auxílios. Ainda a esse respeito declara a cópia do testamento de Ana Tereza de Carvalho, feita em 29 de maio de 1826 em Pouso Alegre e que se acha transcrita também no citado livro de óbitos da Catedral, às páginas 152, verso, que diz: “deixo para as obras do Rosário 4$”. Dois valiosos documentos esses afirmativos de que jamais haveriam de arrefecer aqueles tão vivos sentimentos de fé que fizeram surgir em 1799 a Capela do Senhor Bom Jesus nesta localidade e que mais tarde, em 1810, se transformaria em Matriz da Freguezia de Pouso Alegre, vulgarmente denominada do Mandu onde se prosseguia no ano da graça de 1823 a construção da Capela da Senhora do Rosário que, mais tarde se transformaria provisoriamente em Matriz da Freguezia para maior gloria de sua existência e de sua historia.
Realisou-se destarte o inicio das obras da Capela, muito embora para ser ultimada a sua construção, através de anos sucessivos, tivesse recebido seguidamente dádivas do povo.
A sua edificação parecia a principio um exagero e uma espécie de luxo do povo em querer possuir mais uma igreja no arraial. Entretanto, ao contrario, não tendo sido esses os seus fundamentos de origem, a sua construção dependei principalmente da devoção não só dos homens de cor como de toda a população da Freguezia, muito embora nessa época dominasse o espírito de classe tal como estava dividia a sociedade local, quiçá como em todo paiz, em senhores e escravos, pois a verdade é que toda população concorreu para a sua edificação.
E foi por força da fé viva religiosa dominante e o espírito de associação dos homens de cor de então que se conseguiu a construção dessa igreja.
Nada mais natural que os miseráveis e infelizes escravos pousoalegrenses, tivessem a sua igreja a exemplo de toda Minas e, coligados, para o mesmo fim, de migalha em migalha edificassem com o auxilio de seus senhores no antigo largo da Alegria, praça deixada em aberto pelo Padre José Bento, vigário de então, no lugar chamado Rancho, em Pouso Alegre, hoje Parque Municipal, á Praça João Pinheiro, com a intenção de se construir ali a Capela do Rosário com essa invocação, dedicada á Santa Tereza Protetora de sua classe. Tal milagre e prodígio, fruto aliás cujo colaborou a fé de todos os pousoalegrenses que, conjugados, escravos e senhores, conseguiram levantar ali esse templo que é de grata memória para a historia de emancipação de seu solo, sobremodo porque reconheciam todos iguais parente de Deus. Eis o móvel magnífico de seu triunfo e o segredo primordial de sua construção.
Fora edificada de fato na esquina da rua que se chamou, por isso, do Rosário, hoje D. Nery, com a atual Tiradentes, em conhecida vulgarmente hoje por parque, na praça legalmente denominada João Pinheiro, um dos mais agraciados pontos de recreio da cidade, o antigo largo da Alegria, hoje transformado num ótimo Horto Florestal da cidade, cheio de arvores e pássaros, fazendo inveja a muitas cidade.
De feitio simples, com frontespício de chalé, a Capela do Rosário, tinha em frente, nesse largo denominado outrora da Alegria, um grande Cruzeiro de madeira de lei, eregido onde está hoje precisamente a Padaria Alemã, tendo em volta de seu pé um patamar de pedras toscas e soltas, cujo local ainda alcançamos. Á sua historia esta ligado num fato relevante da historia da cidade, pois, foi ali, que, em 6 de Maio de 1832, o Dr. Francisco de Paula Cerqueira Leite por comissão do Ouvidor da Comarca do Rio verde da Vila de Campanha da Princeza, de conformidade com as ordens expedidas pelo Exmo. Presidente em Conselho da Província e da Resolução da Assembléa Geral Legislativa de de 13 de outubro de 1931, levantou o pelourinho de sua emancipação municipal.
Esse ato, celebrado naquele dia com todas as solenidades do estilo em presença de grande numero de cidadãos, provocou demonstração de alegria e contentamento em todos que repetiram vivas á religião Católica, a Assembléa Legislativa, a sua Majestade o Imperador Pedro II e a Regência. O relato desses acontecimentos, segundo o termo aberto á pag. 1, que descobrimos transcrito no auto avulso referentes esses fatos e existentes no Arquivo Publico Mineiro, consta do ato de levantamento do pelourinho  mais atos praticados nesse dia da instalação da Vila de Pouso Alegre.
Sobre o que se refere acima, o auto de ereção da Vila de Pouso Alegre nada diz quanto a discrição do referido pelourinho.
Na mesma data em que publica o alvará, faz Cerqueira Leite erguer o pelourinho no Largo do Rosário e, tal como foi lavrado na ocasião, reza o auto: “com a solenidade do estilo no lugar onde se considerou mais próprio e a como do, e justamente vem a ser no Largo da Alegria da dita Vila, defronte a Igreja do Rosário”.
Assim o pelorinho da Vila foi erguido nesse largo por ser este um dos logares mais públicos da povoação e por ter uma Igreja o que fizera preferido aos outros, conforme determinava a lei antiga.
Ficando nesse local entre a Igreja e o Cruzeiro, ele devia ter consistido apenas em um posto de madeira de lei, tal como geralmente eram todos os pelourinhos em todas as vilas do Brasil naquela época, como muito bem explica Salomão de Vasconcelos em seu trabalho: “O pelourinho de Mariana”, publicado em 05 de junho de 1939, em Belo Horizonte.
Posto ali a principio como marco simbólico da jurisdição municipal, servindo também, tempo depois, como instrumento de suplicio onde eram amarrados e expostos para serem acoitados os negros cativos e criminosos sem nobreza, servindo ele mais tarde como tribuna de onde se publicavam as sentenças a que estavam condenados, os escravos, principalmente as condenações a pena de morte, o qual desapareceu para sempre em 1850 quando esta pena foi extinta no Brasil.
Dele partiam os condenados levados pela justiça e carasco, para que serem executados na Forca existente no alto do Cemitério Velho da cidade, onde está hoje a Cruz de Ferro, a vista curiosa do povileo.
Foi certamente nesta coluna que esteve amarrado, algemado, Antonio Conego, em 1° de Julho de1846, para ouvir sua sentença de morte, lavrada e executada por Julião Florencio Meyer, juiz municipal de outrora, e foi finalmente na Capela do Rosário que ele recebeu os últimos sacramentos da Igreja onde confessou e orou pela ultima vez em sua vida, para em seguida ser levado pela justiça de Pouso Alegre até o morro das Cruzes, próximo do Cemitério, onde foi entregue ao Carrasco Fortunato por quem foi executado naquele largo a vista estupefato do povo que atônito assistira aquele ato de justiça humana.
Da há muito desaparecido daquele local, esse pelourinho deixará apenas o Cruzeiro colocado a sua frente que até há bem poucos anos ali existiu, vindo a desaparecer também para sempre por volta de 1908, quando da feitura do atual Parque Municipal, tempo em que não mais existia igualmente a Capela. Tal como aconteceu com o pelourinho, antes de 1889, por ameaçar ruínas, visto ser um prédio de paus a pique, foi demolida a antiga Capela do Rosário de que por muitos anos existiu naquela praça, conforme atesta o termo de visita diocesana, lavrado nesta cidade por D. Lino, em 23 de setembro de 1889, e que se acha registrado no livro de tombo existente no arquivo Diocesano deste Bispado e aberto naquela ocasião pelo Revmo. Vigário encomendado da Freguezia Conego Vicente de Melo Cézar, dizendo apenas existir ali os alicerces para uma nova igreja nessa praça.
A demolição da Igreja do Rosário foi resolvida de fato em 28 e 29 de abril de 1878, em reuniões da irmandade, realisadas na Igreja as 4 horas da tarde daquelas datas e presididas pelo Ver. Con. Barnabé José Teixeira, estando presentes a ela os Drs. Eduardo Antonio de Barros, Paulino Cirilo Leão da Silva e os irmãos: Antonio e Joaquim Gomes Teixeira, o Capitão Candido Antonio de Barros e Francisco Machado de Andréa. Reunidos estes se constituíram em comissão deliberadora e realizadora da obra da então e futura “nova Capela que seria edificada no centro do terreno em aberto que se acha em frente a casa da Sra. D. Honoria Ferreira e Silva e no alinhamento de sua casa na Rua Tiradentes com frente para o Largo do Rosário e bem assim que esta seja feita de adobes, travamento de madeira e sobre alicerces de pedras.
É o que consta no I livro do inventario Geral da dita Igreja pertencente ao Arquivo Paroquial da Catedral, as págs.15, tal como quiz a citada comissão justamente no cento do terreno onde se acha a atual Igreja do Rosário, assentaram-se alicerces de pedra dos quais em 1889 dera noticia D. Lino e sobre os quais se construira, mais ou menos, por volta de 1906, outra igreja que veio a cair.
A antiga Igreja dedicada a N. Sra. Do Rosário pertencia aos homens de cor, mas a sua administração estava afeta ao vigário de Pouso Alegre e as pessoas gradas do lugar. Era um edifício modestíssimo e sem outro valor que o de atestar os sentimentos religiosos e a boa vontade de seus edificadores, como faz certo Bernardo Saturnino da Veiga, em seu magnífico Almanaque Sul Mineiro, as pag. 223, o primeiro e verídico historiador da cidade.
Era um edifício de paus a pique, baixo, em forma de um chalé, em cuja ponta de seu ângulo havia uma cruz singela, com duas varandas laterais em meia água, presas quasi ao seu telhado, tendo três portas, uma de cada varanda, todas elas dando ingresso para o corpo da igreja. Do lado esquerdo, na varanda e pelo lado de fora, havia tosco e simples, um senheiro pregado da madeira em mão francesa. Dentro da nave nenhuma obra de arte havia de apreço e notável relevo arquitetônico, senão muito singelicamente adornado o trono da Senhora do Rosário, altar-mór de algum lavor em ouro.
A partir de 1849, mais ou menos, essa igreja, não obstante ser um templo pequeno, modestíssimo e simples, serviu de Matriz da Freguesia em virtude da construção na nova matriz que se “principiava a construir atraz da Matriz existente”, como relata as atas das sessões extraordinárias da Câmara Municipal de 11 e 26 de Setembro de 1849. Esta igreja que se principiava a construir e de que falam as atas supras era a atual Catedral edificada atraz da velha Matriz da Freguezia, a antiga e primitiva Capela do Mandu, que foi ereta em 1799, servindo desde o inicio do Arraial como igreja mãe, e foi demolida somente depois de iniciada a construção da nova igreja- a atual Catedral de Pouso Alegre. E foi por isso que a igreja do Rosário funcionou por muitos anos como matriz da Freguezia de Pouso Alegre.
Prova-se esse fato pela ata da 6ª Sessão Ordinária realisada em 16 de outubro de 1856, pela Câmara Municipal, em que “manda o fiscal concertar as ruas de Santa Rita (hoje Afonso Pena), e Rosário (hoje Dom Nery), antes das chuvas, mormente onde se acha a Igreja do Rosário servindo de matriz”. Esteve essa igreja funcionando como Matriz da Freguezia até 24 de Dezembro de 1857, data em que se deu a inauguração da nova Igreja Matriz, a Catedral de hoje, que foi benta naquela data pelo vigário Cônego Barnabé José Teixeira.
Assim, a respeito da Igreja do Rosário, insistimos em que ela tenha representado um fato de alta significação para a historia administrativa e religiosa da cidade porque perante ela se celebrou o ato oficial da elevação de Pouso Alegre a Vila e ali que se erigiu o pelourinho- marco oficial de nossa existência municipal, tendo servido como Matriz da Freguezia.
Recordar a sua existência é recordar as congadas, organisadas pelos escravos da cidade, relembrando também as cavalhadas que se faziam anolucente ali e onde tomava parte toda a população de Pouso Alegre de antanho, nos dias festivos consagrados a Nossa Senhora do Rosário, reviver, pois, a historia dessa igreja é relembrar enfim que ela deu nome a uma grande área urbana da cidade.      
Extraído do Jornal “Gazeta de Pouso Alegre” 26/11/1916
*Escrito como no original
Paque Municipal e Largo do Rosario- 1918
Acervo do MHMTT

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